A porta

Foi dando conta que estava no sitio que andava a evitar há algum tempo... Um sitio onde passa muitas vezes, um sitio que frequenta em horários diferentes, em portas diferentes.
Não sabia bem como, mas agora já estava ali. Parou o carro onde estranhamente havia lugar, olhou para a porta... esperava vê-lo sair. Porém não era ainda a hora certa.
Deixou-se ficar no conforto que uma viatura pode trazer com o cd da sua musica preferida a rodar.
Os minutos passavam, a musica reflectia o que pensava ou os seus pensamentos reflectiam o que a cantora ia sugerindo...
Percebeu que ainda tinha o cinto de segurança posto. Libertou-se dele e decidiu sair em direcção ao incerto...
Aproveitou para pensar se era mesmo o que queria, estar ali... O que é que queria...
Saiu do carro, fechou as portas, caminhou lentamente pelo frio, pela escuridão. Parecia que estava decidida em parar por ali, fitar a saída, esperar pelos olhos dele, por aquele sorriso...
Olhou para baixo, para o brilho das pontas dos sapatos, e seguiu... Um pé à frente do outro...

Pouca gente, muita gente... Sentia-se sozinha...
Deu voltas ao gigante edifício, devagar, organizando as vontades erradas que a vida propõe, procurando o que é certo. Não tem nada a ganhar nem a perder... Queria esperar à porta... Mas, possivelmente não.

Os minutos foram passando e as pessoas na rua sabiam decerto que ela estava em duvida, que estava a decidir a sua vida naquele instante. Olhavam para ela como se a entendessem, como se a quisessem ajudar. Outros diriam com a sua expressão " o que é que estás aqui a fazer?"... Responderia " à procura...".

Um casal de velhotes, de mão dada, aproxima-se e pergunta " Minha linda menina, sabe como podemos ir para o cinema? Vamos ver a Amália... Não queremos chegar atrasados! Não se atrase também, minha filha... não se atrase.".
Esclareceu os senhores e teve uma estranha vontade de os abraçar...
Ficou a vê-los caminhar até conseguirem encontrar a porta do cinema... Ficou impaciente, ansiosa.
Saberiam que estava em contratempo para remendar o que tinha acontecido? Seria que era um precioso aviso para sair enquanto era tempo...

Parou e pegou no telemóvel que ditava a hora. Parecia um cronómetro na competição onde todos os milésimos de segundo passam ditando o desfecho, bom ou mau. O cronómetro que corre esperando o apito, a meta ou a bandeira quadriculada...
Não chegava ninguém com a resposta certa, em lado nenhum. Tampouco o telefone tocava com alguém a chamá-la para outro sitio ou a escrever qualquer coisa que a demovesse daquela causa, que a tirasse daquela confusão. Certo ou errado?

Voltou para trás! Caminhou de novo em direcção à porta. Passou pela parede envidraçada, fosca, através da qual o tinha ouvido há instantes. A voz dele... Sabia que ele estava ali. A uma pequena distância.
A voz dele fe-la caminhar, tremer, fez com que duvidasse do que já tinha decidido.
No caminho de regresso já não o ouviu, decerto que ia sair por aquela porta. Agora já não ia voltar para trás.

Parou, pensou... Olhou à volta... Tanta gente... Frio... escuro... luzes de farolins e semáforos... o carro, precisava do carro para fugir dali... mas tinha que passar pela porta... Pela luz ténue que vinha da porta...
Tanta gente que saía por ali, que saia da luz mortiça, tanta gente que acabara de chegar... Tantos à espera de alguém... E ela também...
Abrandou os passos...
Todos se reencontravam, uns com surpresa, outros com felicidade mas a maior parte com um ar banal, de gesto que se faz varias vezes na semana...
Sabia que o tempo urgia e que tinha que tomar uma atitude.
Não é mulher de se esconder.

Pensou uma vez mais se era o que queria, voltar a vê-lo, ali, desprotegida. Já se tinham encontrado naquela porta, ela já tinha sido chamada a entrar naquela porta, ela já tinha estado lá dentro... Mas decidiu sair, por uma outra porta. Ela tinha decidido um adeus, um até sempre sem volta... Ele também. Mas...
O conflito do querer e não querer, do certo ou errado, do coração e do pensamento mais racional disparou! Pensou que ia fraquejar, pensou que ia cair.
Não sabia o que lhe dizer, incerta do que ele lhe diria... Começou a andar rápido, a caminhar cada vez mais rápido, em cima dos sapatos de salto alto ia confiante, passou pela porta movimentada de onde ele teria saído... Mas não a tempo...

Fora de tempo de saber o que ela faria, o que teria dito. Sem saber que ela tinha voltado para o sequestrar no seu olhar, para lhe agarrar a mão à procura de alguma certeza. Saiu sem imaginar o que tinha acontecido ao redor daquela porta, por onde passa todos os dias...
E seguiu o seu caminho...

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